Daniel Rivera Alves
Sócio Fundador da Elit Capital
O mercado brasileiro de M&A passou por um ciclo completo na última década: desaceleração no meio da década de 2010, retomada a partir de 2017, pico histórico de transações em 2021 e normalização nos dois anos seguintes, com uma recomposição parcial em valor em 2024.
Pelos dados da TTR Data, o volume saiu da casa de ~1.000 transações anuais, entre 2014 e 2019, para um recorde em 2021 (2.560 deals), recuou em 2022 (2.119) e manteve patamar semelhante em 2023 (2.123), antes de cair para 1.674 em 2024. Em valores, o agregado acompanhou essa curva, com auge em 2021 (~R$ 476 bi), arrefecimento em 2022 (~R$ 325 bi), nova queda em 2023 (~R$ 217 bi) e recuperação em 2024 (~R$ 260 bi), sempre considerando apenas operações com valores divulgados.
A evolução setorial do M&A no Brasil entre 2014 e 2024 evidencia a digitalização como principal motor das operações. Tecnologia — englobando internet, software e serviços de TI — deixou de ser coadjuvante para assumir a liderança entre 2020 e 2022, impulsionada por e-commerce, meios de pagamento, SaaS, soluções de dados e Inteligência Artificial (AI).
O setor de Saúde manteve crescimento constante, com consolidação hospitalar e expansão de laboratórios, operadoras e healthtechs. Energia e Infraestrutura alternaram picos ligados a privatizações, concessões e reorganizações de portfólios, ganhando espaço em 2023 e 2024 com o aumento do interesse por ativos defensivos.
Serviços Financeiros também se destacaram, reunindo bancos, corretoras, meios de pagamento e fintechs, combinando consolidação tradicional e disrupção tecnológica. Imobiliário & Construção permaneceu ativo em operações com incorporadoras, shoppings, ativos logísticos e empreendimentos comerciais, acompanhando ciclos de crédito e investimento. Já Varejo & Bens de Consumo — de redes de lojas a alimentos, bebidas e moda — manteve relevância, refletindo movimentos de expansão, reposicionamento e diversificação de portfólio.
Os compradores estratégicos dominaram as transações ao longo da última década, ampliando a sua fatia nos anos recentes, à medida em que fundos de Private Equity se tornaram cada vez mais seletivos com juros altos e custo de capital pressionado seu modelo de negócio. O capital doméstico prevaleceu ao longo deste período; fluxos cross-border ou transfronteiriços mostraram sensibilidade ao câmbio, risco-país e aos ciclos globais de liquidez. Geograficamente, o estado de São Paulo concentrou a maior parte das transações observadas, seguido por polos industriais e de serviços no Sul e Sudeste.
Ao longo da década, diferentes fatores moldaram os ciclos de M&A no Brasil. A combinação de juros relativamente mais baixos e uma forte liquidez global foi determinante para o recorde observado em 2021, enquanto o subsequente aperto monetário reduziu o apetite por risco, comprimindo tanto o volume quanto o porte médio das operações.
O câmbio também exerceu papel relevante: períodos de desvalorização do real, aliados à compressão de múltiplos, abriram janelas de oportunidade para compradores estratégicos e investidores de longo prazo, que aproveitaram valuations mais atrativos.
No campo microeconômico e regulatório, agendas de concessões, privatizações e novos marcos setoriais — especialmente em energia, saneamento e saúde — impulsionaram megadeals e fomentaram polos regionais de transações.
A transformação digital também se consolidou como um vetor transversal de produtividade e crescimento. A digitalização de processos, a adoção de inteligência artificial e a busca por eficiência operacional passaram a sustentar teses de investimento em praticamente todos os segmentos econômicos, reforçando o protagonismo da tecnologia no mercado de M&A.
A última década de M&A no Brasil pode ser categorizada em oito fases, cada qual marcada por determinadas condições macroeconômicas e setoriais, com transações emblemáticas que ilustram seu caráter específico.
2014–2015
Sob forte desaceleração econômica e instabilidade política — refletidas no déficit fiscal crescente e na taxa básica de juros da economia (Selic) acima de 11% ao ano — o mercado manteve cerca de 1.000 transações anuais. Compradores estratégicos aproveitaram valuations pressionados em setores consolidados, sobretudo energia, telecomunicações e serviços financeiros. Em abril de 2014, a aquisição da GVT pela Telefónica, por R$ 22,5 bilhões, exemplificou essa dinâmica oportunística.
2016
Em meio ao início do governo Temer e à perspectiva de reformas fiscais e trabalhistas, o ambiente recuperou gradualmente o otimismo. A Selic iniciou uma trajetória descendente e o crédito corporativo expandiu-se, impulsionando consolidações nos segmentos de saúde, tecnologia e infraestrutura. A compra de 66% do capital da XP Investimentos pelo Itaú Unibanco, por R$ 3,6 bilhões, impulsionou a busca por plataformas de serviços financeiros integrados.
2017–2019
Com a taxa de juros recuando à casa dos 6% e expectativa de inflação ancorada, o Brasil voltou a atrair capital estrangeiro. Entre 2017 e 2019, o volume superou 1.200 operações por ano, com destaque para os setores do varejo, serviços financeiros e tecnologia. As privatizações de aeroportos e rodovias reforçaram o apetite internacional por ativos de infraestrutura no período. Em 2017, a JBS reforçou a sua presença no setor de laticínios ao adquirir a Vigor por R$ 5,7 bilhões.
2020
As medidas impostas pelo governo, sob o argumento de contenção da crise sanitária global, levaram a uma queda abrupta nos negócios em geral, mas no segundo semestre a economia começou a reagir, após sucessivos cortes na Selic, que atingiu o patamar recorde de baixa e 2%, junto com pacotes de estímulo à economia. As transações no mercado de tecnologia e de saúde ganharam um impulso extraordinário para fazer frente às necessidades do período. A Magazine Luiza, por exemplo, adquiriu a Netshoes, por R$ 115 milhões, acelerando sua estratégia omnichannel.
2021
Em um ambiente de alta liquidez global e baixo custo de capital, com juros em patamares historicamente baixos, o país viveu o ano recorde de M&A: 2.560 deals que somaram cerca de R$ 476 bilhões em valor. A Brookfield Asset Management comprou a AES Tietê por R$ 5,1 bilhões, evidenciando o fluxo de grandes investidores em energia e infraestrutura, setores conhecidos como de capital intensivo.
2022
Com inflação acima de 10% e Selic subindo a 13,75%, o apetite por risco arrefeceu, o que refletiu no movimento de M&A: 2.119 transações e R$ 325 bilhões envolvidos. Ainda assim, operações de grande porte marcaram o ano, como a compra dos ativos móveis da Oi pela TIM, por R$ 16,5 bilhões, reforçando consolidação no setor de telecom.
2023
Com a manutenção da Selic em patamar elevado, e incertezas políticas em razão da mudança de governo, o volume estabilizou-se em 2.123 operações e os valores tiveram queda de 33%, para R$ 217 bilhões. Concessões e privatizações em rodovias e saneamento ganharam destaque em 2023. A CCR concluiu a compra da concessão das rodovias BR-163/262, ampliando seu portfólio de infraestrutura.
2024
O volume de negócios recuou 21% (1.674 transações), embora o valor agregado tenha subiu 20% (aprox. R$ 260 bilhões), refletindo uma quantidade menor de transações, mas de alto valor. A Auren adquiriu a AES Brasil por R$ 23 bilhões e o governo paulista vendeu 15% do capital da Sabesp à Equatorial por R$ 11,7 bilhões — operações que ilustram a sustentação do foco no mercado de energia renovável e saneamento.
2025
O momento atual indica uma trajetória de recuperação. De acordo com a PwC Brasil, entre janeiro e maio deste ano foram registradas 596 transações, um crescimento de 15% em relação ao mesmo período do ano anterior, sinalizando um ambiente mais favorável para M&A, mesmo diante de desafios políticos e macroeconômicos persistentes, como fragilidade fiscal, inflação desancorada, juros elevados e volatilidade cambial. A TTR Data aponta uma elevação de 17% no valor agregado no período, refletindo o impacto de transações de grande porte ocorridas nos setores de infraestrutura, energia e consolidações corporativas estratégicas.
A composição setorial das operações até o momento reforça tendências estruturais. Tecnologia respondendo por 33% das transações, impulsionada por soluções digitais, inteligência artificial e serviços em nuvem. Consumo e Varejo (15%) e Automotivo (9%) também se destacaram, refletindo movimentos de consolidação e reposicionamento estratégico. Já Energia e Serviços Públicos corresponderam a 7,5% do total, beneficiados por investimentos em infraestrutura e pela transição para fontes renováveis.
No recorte por perfil de investidor, observa-se, nestes primeiros cinco meses de 2025, a predominância dos compradores estratégicos, responsáveis por cerca de 83% das operações, contra 17% de participação dos fundos de Private Equity, que representavam aproximadamente 20% do volume em 2024. A origem do capital confirma um mercado majoritariamente doméstico: 81% das transações foram conduzidas por empresas brasileiras, enquanto o investimento estrangeiro respondeu por 19%.
A expectativa para 2025 é de manutenção do ritmo de crescimento do volume de transações, com possibilidade de superar os números de 2023, desde que não ocorram choques macroeconômicos relevantes. Valuations atrativos, necessidade de ganho de escala e busca por inovação devem continuar impulsionando operações, especialmente em tecnologia, saúde e energia. Se confirmadas as projeções, 2025 poderá consolidar-se como um ano de retomada para o M&A no Brasil, combinando oportunidades estratégicas com a necessidade de gestão cuidadosa dos riscos.
A década deixa um mercado mais maduro, com pipelines setoriais claros, investidores experientes e maior disciplina de capital. A recomposição do valor agregado em 2024, apesar do menor volume, sugere reabertura para transações maiores em infraestrutura e energia, enquanto tecnologia mantém relevância — ainda que abaixo do pico observado entre 2021–2022. Entrando em 2025, o pano de fundo é de otimismo cauteloso: valuations seguem atrativos para estratégicos, e o retorno mais amplo de fundos dependerá de condições de financiamento e previsibilidade macro.